O SENTIDO VERDADEIRO DE EDUCAR

Comecei a conversar com um dos nossos meninos com quem precisei ficar mais próxima para explicar as atividades. Em um dado momento, olhando-me nos olhos, disse: “eu ganhava 10 mil reais por final de semana como gerente de boca”. Eu sabia que ele queria se mostrar um pouco, mas também sabia que não era de todo uma mentira. Perguntei num impulso: “Mas o que te fez decidir agora querer trabalhar um mês inteiro pra ganhar 400 reais?”. E ele, que parecia não esperar aquele questionamento, respondeu: – “Depois que meu irmão foi preso, entendi que nada paga essa liberdade. Ele era tudo pra mim”. A partir desse dia, nossa relação se tornou muito mais verdadeira. Eu não deixei de ser sua educadora, mas ele tinha entendido que eu me importava sinceramente com ele.

O primeiro desafio com jovens que vivem uma realidade extremamente vulnerável, por incrível que possa parecer, não é fazê-los ter acesso aos bens materiais que nunca tiveram. Nem mesmo apenas garantir que tenham vagas em Programas de Aprendizagem, Escolas ou Universidades. Enquanto não fizerem a experiência de descobrirem o próprio valor, o valor inestimável que a vida deles carrega, não vão se manter em nada, não vão dar conta de uma realidade para a qual nunca antes foram educados. Os nossos jovens não encontram uma ONG, encontram pessoas dispostas a caminhar com eles. O maior choque não é começarem a ganhar um salário pelo próprio esforço, o que é fascinante no mundo do trabalho. O maior impacto é que começam a encontrar um lugar que os acolhem quando erram, se descobrem perdoados por aquelas palavras ditas de forma tão reativa e agressiva, como estavam acostumados.

Eles nunca experimentaram ser orientados com esse afeto que não poupa e nem trata como pobre coitados. Orientados uma vez, duas vezes, três, quatro, cinco vezes e quantas for necessário: essa novidade é radical no relacionamento com eles. Alguém que aceita escutá-los e ser companhia – não como terapia, mas como um ser humano que carrega o mesmo coração –  em suas histórias e dores latentes: violência doméstica, abusos, drogas… propondo um trabalho concreto, aonde podem colocar as próprias mãos e entender que a vida é útil, que existe um gosto único em ajudar a construir um mundo mais fraterno… Isso nunca estará dentro dos 400 reais que uma empresa decide pagar.

Durante os anos privilegiados em que trabalhei com adolescentes em Liberdade Assistida e na Fundação CASA, ouvia sempre deles as razões de furtarem, roubarem e matarem:

“- Mas eu faço isso com aqueles que tem. Eu não tenho. Com quem pode comprar outro. Eu não posso.” Não esqueço a dor de ver um menino de 14 anos (não tinha nem 1 metro e meio de altura) com os dentes quebrados, porque tinha arriscado roubar uma moto e quando seu parceiro acelerou, acabou caindo da garupa e ficando cara a cara com a vítima do assalto. Apanhou a ponto de perder quase todos os dentes. Foi ele a vítima. E continuará podendo ser. Na maioria das vezes é justamente aí que eles se acostumaram a colocar a própria esperança: bens, acesso, moradia, benefícios, garantia de trabalho e salário no fim do mês.

A Educação de jovens em situação de vulnerabilidade nos traz desafios profundos e “primordiais”, antes de tudo, no que diz respeito à dignidade de um ser humano. Somos nós, adultos, educadores, os que precisam recuperar outra vez o sentido verdadeiro de educar. Talvez estejamos alimentando, quem sabe sem nos darmos conta, aquela certeza cruel de que “eu só tenho valor se”, “se sou como você”, “se tivesse tudo que você tem”, “se tivesse estudado ou feito faculdade”, “se tivesse dinheiro”. Aquele valor condicionado que talvez escutaram anos e anos das pessoas mais próximas: “só quando você estudar”; “só se você fizer aquilo”; “só se você for igual a seu irmão”, ou coisas piores que nos chegam pela boca deles mesmos.

A Educação começa por um amor à liberdade e ao coração desses adolescentes e jovens que, como o nosso, deseja ser feliz, amado e útil. Incondicionalmente. Pode parecer piegas ou utópico, mas é esse o nosso trabalho diário. E o melhor: os números nunca serão capazes de contar com franqueza a beleza dos resultados.

Giovanna Ottoni – Educadora CEDUC Virgílio Resi

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